Os sintomas eram os mesmos: as mãos tremiam, os cobertores cobriam o pescoço, o olhar era sombrio e a voz era mal pronunciada pelas cordas vocais. A cama de hospital já era ocupada há uns longos meses, o corpo encontrava-se na mesma posição que da última vez. As visitas eram vulgares. Os rostos os habituais. As rugas tinham aumentado de número. O penso que tinhas na cabeça tinha sido retirado. O olhar continuava longínquo. O quarto estava frio, arrepiante, intimidador. Eu entrei. Os olhos brilharam, a mão espreitou à superfície dos lençóis e a lágrima habitual que nunca nos deixava, caiu novamente. A necessidade de falar e exprimir tudo o que sentias era bem visível no teu olhar, mas não conseguias. A tua saúde não o permitia. Ouve, eu sei. Eu sei que a vida não levou o melhor de nós. Eu sei que não tivemos o tempo todo por nossa conta. Mas eu estive contigo enquanto pude, eu tentei fazer o que era suposto no nosso grau de parentesco. Eu tentei ser a neta que nunca me deixaste ser. O coração parou e o tempo acabou. Sinto saudades daquilo que nunca tive. Sinto saudades do pai que nos afastou.