Às vezes eu fico a pensar como seria se estivéssemos juntos outra vez. Seríamos dois estranhos, ou a cumplicidade ia nascer depois de horas de conversa? A verdade é que já nem sinto nada por ti. Ou se calhar até sinto, sinto raiva por nunca me teres dado o que era teu dever. Cada vez que vejo fotografias minhas de quando era pequena não conheço a pessoa que regularmente está comigo ao colo ou aquela que na altura me tirou a fotografia na brincadeira para eu ficar bem nela. É como se fosses um homem estranho que outrora existiu na minha vida e depois teve de sair dela à força. Ele era carinhoso e meigo comigo. Eras o único que me penteava de manhã antes de eu ir para a escolinha porque eras aquele que não me magoava. Pegavas em mim ao colo e punhas-me entre o peito e o teu casaco para que eu não apanhasse frio nas manhãs geladas. Vestias-me o vestido de roda verde e punhas-me os collants até meio das costas para que a tua pequenina ficasse quentinha. Era assim. Era por ti que eu chorava quando alguém me fazia mal. Sentava-me na soleira da porta e esperava que tu chegasses. Não parava de chorar até me pegares ao colo e perguntares quem me tinha feito mal. Eu sabia que ias proteger-me, sempre! E por isso eu esperava, esperava que viesses buscar-me. Agora eu espero por ti. Espero e choro na soleira da porta. Não, chorei! Mas tu não vens. Eu continuo à tua espera. Eras o único que não me magoavas e agora és aquele que magoa todos os dias, dia após dia. Anseio pelo momento em que te vir voltar para mim com um sorriso na cara. Ele? Ele é o meu pai.